O processo de implementação de um programa de integridade está longe de ser uma tarefa fácil, quem dirá simples. Um dos elementos desse projeto, o Canal de Denúncias, surge para auxiliar a empresa na identificação dos desvios, mas ele também gera uma série de dúvidas. O que fazer depois de receber um relato no Canal de Denúncias? Como dar seguimento e concluir cada caso?
Essa é apenas uma das etapas. Convencimento da alta gestão, intermediação entre os atores responsáveis, busca por orçamentos e os melhores prestadores de serviço: todos esses elementos representam uma fração do que todo o processo pode envolver.
No entanto, tão essencial quanto o momento de planejamento e teorização sobre a estrutura, as primeiras semanas de execução de um programa de compliance são cruciais para o seu futuro a curto e a médio prazo. Com as comunicações internas realizadas, a primeira denúncia é uma questão de tempo.
Dito isso, o que fazer depois de receber o primeiro relato em um Canal? Não ter uma resposta para essa pergunta pode ser responsável por retardar, e até impedir, que os programas de conformidade sejam tirados do papel.
A materialização de um problema corporativo por meio de um relato formal em Canal oficial empresarial não deve ser motivo de pânico e aqui fornecemos algumas considerações para ajudar nesse momento:
- Antes da denúncia: O que fazer antes de receber um relato?
- Contato inicial: O que fazer quando receber um relato no Canal de Denúncias?
- Apuração: Como validar o relato recebido?
O que eu preciso para tratar as denúncias na minha empresa?
A implementação de um programa de conformidade é um processo complexo, que envolve etapas e personagens distintos entre o momento da sua idealização até sua efetividade.
A produção de conhecimento sobre o tema tem se amparado nos chamados “pilares” de conformidade, oriundos das diretrizes U.S. Federal Setencing Guidelines for Organizations (2008), com a incidência de mais ou menos pilares discutidos por teóricos.
Veja também: Confira nosso guia sobre como estruturar o setor de compliance para 2024.
O Canal de Denúncias, ferramenta pela qual o relato chega até o conhecimento da administração, é um desses elementos. Por meio dele, os funcionários podem expressar preocupações e debater questões éticas sem o temor de retaliação ou represálias.
Isso, por sua vez, contribui para a promoção de uma cultura de abertura na organização, incentivando os denunciantes a compartilharem suas preocupações e perspectivas sobre questões éticas.
No entanto, além de não ser o único pilar que deve ser estruturado, ele geralmente não é a prioridade na construção de um programa de conformidade.
Isso acontece em razão da sua função principal: de ser uma conexão entre o dia a dia da empresa e a efetividade do programa de conformidade. Isso porque o Canal é uma ferramenta pela qual colaboradores e interessados relatam suas preocupações e situações na qual foram vítimas. Ele é um elo entre a realidade da organização e o planejamento de compliance.
Estruturação do programa de conformidade
Contudo, antes do recebimento do primeiro relato, é indicado que a empresa já tenha organizado 3 estruturas formais de um programa de conformidade:
(a) código de ética e políticas de responsabilidade;
(b) um ponto focal para resolução de problemas;
(c) comunicação interna.
A empresa precisa se preparar para iniciar a estrutura que envolve o Canal de Denúncias. Antes que qualquer peça de divulgação seja lançada, é necessário existir uma estrutura que baseará a tomada de decisão dos envolvidos com o setor de compliance.
Essa estrutura será como um guia ético para todos os associados com a empresa (colaboradores, terceiros e parceiros). Confira os elementos dessa estrutura:
Código de Ética
O primeiro e impossível de ignorar é o Código de Ética.
Ele é a ferramenta que vai definir o comportamento ético e distingui-lo do comportamento não ético, dando mais clareza ao que é esperado dos colaboradores. Esse material atua como a pedra fundamental do programa de integridade.
O Código de Ética incentiva o engajamento ao expressar valores e princípios com os quais os colaboradores podem se relacionar, se inspirar e se motivar. Igualmente importante, estimula discussões sobre questões éticas, fornecendo um quadro normativo que facilita a conversa e permite a identificação e denúncia de violações.
No entanto, assim como estruturas normativas da sociedade, são necessários outros tipos de documentos com regras e normas além do principal.
Realizando um paralelo, se na sociedade brasileira existem, conjuntamente, a Constituição Brasileira, o Código Penal e o Código Civil, dentro da estrutura normativa-empresarial devem existir, no mínimo, um Código de Ética, uma Política de Responsabilização (em caso de comportamentos não éticos) e uma Política de Investigação e Correção (que lide com alegações de comportamentos não éticos).
Ponto focal da denúncia
Com essa estrutura normativa-formal montada, uma questão inevitavelmente surgirá: a necessidade do estabelecimento de ponto focal (ou pontos focais) para tomadas de decisão em caso de denúncias ou reformulações nas políticas.
Ele pode ser uma pessoa (Compliancer Officer, por exemplo) ou um grupo de pessoas, como um Gabinete/Comitê de Ética, mas o importante é que, em primeiro lugar, exista uma atribuição devidamente estabelecida (dentro do próprio Código de Ética, de preferência).
Treinamento e comunicação interna
Por fim, para finalizar o momento anterior ao funcionamento do Canal, são necessárias comunicações internas sobre a existência de um programa de conformidade.
Elas podem ser simples e diretas, o importante é que cumpram o propósito de informar a existência de regras de conduta e treinamentos combinados com materiais acessórios, como ebooks ou vídeos, e que auxiliem na compreensão sobre o que são e como relatar desvios comportamentais.
Como validar o relato recebido no Canal de Denúncias?
Estrutura montada, relato recebido e identificado. O passo seguinte envolve a apuração do relato, ou seja, a análise para tomada de decisão em busca da validação do caso. É necessário entender seus elementos, acusados, se possui os meios de prova necessários, se constitui um desvio comportamental e quais as decisões administrativas cabíveis.
É recomendável, a construção de uma estrutura de apuração, com etapas e pontos específicos para o relatório final. O peso que cada uma dessas etapas terá e, consequentemente, eventuais adaptações que sejam necessárias podem depender de alguns fatores que vamos explicar a seguir.
Um fator de impacto no processo de apuração de um relato deriva diretamente do seu conteúdo. Voltemos ao exemplo do caso de assédio/importunação sexual.
É possível aprimorar o processo de apuração dos relatos com base na própria dinâmica do fato (quem foram as pessoas que presenciaram a cena? Ocorreu pessoalmente?
Caso não, existem provas materiais do ocorrido? Como fatores externos: câmeras de segurança flagraram a situação; ou fatores correlacionados: reincidência na acusação, o colaborador apresenta riscos anteriormente mapeados.
Como mencionamos, é importante ter atenção aos níveis de detalhes recebidos durante a realização do relato, ou seja, a qualificação do relato.
A qualificação é parte essencial do sucesso de uma apuração, considerando que, se anônimo e não qualificado, as chances de compreensão diminuem.
Conforme pesquisa, a qualificação dos relatos apresentou uma melhora nos últimos cinco anos (com manutenção dos números nos últimos dois).
Sobre esse dado, é importante compreender que denúncias via voz costumam apresentar melhores índices de qualificação. Isso por causa da triagem e da escuta ativa dos analistas. Enquanto no cenário via web demanda-se alguns recursos intuitivos na hora da estruturação das páginas de canais, como a metodologia 5W2H, e vídeos instrutivos na parte do recebimento dos relatos.
Nesse contexto, dentro dos possíveis caminhos numa apuração, em duas abordagens complementares representam um caminho efetivo:
- a utilização de softwares completos e com rápida curva de aprendizagem;
- profissionais para buscas específicas.
Segundo pesquisa sobre as necessidades e tendências em Compliance no Brasil, 71% dos profissionais da área informaram utilizar tecnologias ou ferramentas automatizadas para implementar e gerenciar seus programas de compliance.
Esse dado é acompanhado de um inverso: apenas 35% dos profissionais terceirizam alguma de suas atividades, embora assuma que possua mais de uma atribuição cumulada com as atividades de conformidade.
Ambos os indicadores, embora tratem de duas atividades distintas, apresentam em comum o ganho de eficiência no seu objetivo final. Cita-se o exemplo das entrevistas nos casos de desvios comportamentais, como o próprio assédio.
Segundo Iuri Camilo de Andrade, especialista em investigações corporativas pela Protiviti, “dentre as formas mais interessantes nesse processo está o estímulo ao denunciado durante uma entrevista, com episódios similares ao que foi relatado. E, dessa forma, ele pode trazer o episódio espontaneamente, sem a necessidade de uma pergunta direta e fechada. Outra possibilidade que pode ser trabalhada é a contextualização do episódio no plural, ou seja, deixar a cargo do ofensor a individualização das condutas.”
É comum que a prática ilícita ocorra em ambientes que estejam apenas a vítima e o agressor, sendo desafiadora a confirmação através de outros meios (como provas documentais).
Embora seja possível o treinamento de profissionais internos para a condução das atividades, o ganho de eficiência se apresenta através da terceirização para empresas especializadas na condução dessa atividade.
A utilização de plataformas, por outro lado, se apresenta com uma maior incidência por se tratar de passo recomendado para todos os casos.
🔗 Veja também: Diligência e due diligence: o que são e qual a importância para as empresas?
Conhecer o seu colaborador (ou o KYE) é uma boa prática de mercado, oriunda de empresas do sistema financeiro e adaptada pelo restante do mercado para, primeiramente, servir como uma ferramenta de prevenção de riscos, e, ocorrido o incidente, verificar mudanças no risco daquele colaborador.
Para adoção de ferramentas como essas, é importante atenção em alguns elementos:
- A quantidade e qualidade das fontes que a plataforma busca: por se tratar de uma ferramenta automatizada, é necessário que sejam múltiplos os bancos de dados buscados, bem como a qualidade dessa busca esteja sempre atualizada.
- A possibilidade de monitoramento de risco e a construção de planos de ação para auxiliar na gestão descentralizada de relatórios.
- Possibilidade de integração também voltada para a facilitação da gestão e da importação de informações e/ou contatos.
- Interface intuitiva capaz de guiar usuários com conhecimentos básicos de tecnologia para submeter, analisar e avaliar relatórios em poucos cliques.
A Aliant conta com a Plataforma de Diligências mais completa e rápida para realizar avaliação e diligência. Com mais de 1700 bases de dados, customização total e conclusão de até 10 minutos, ela é de fácil utilização e com possibilidade de integração ao seu ERP através de APIs.
O que fazer quando receber um relato no Canal de Denúncias?
Com a etapa preparatória concluída, é apenas uma questão de tempo até o primeiro relato ser recebido.
Com o relato recebido, cabe à empresa estabelecer um fluxo para que a denúncia possa ser registrada, analisada e então solucionada.
De forma simplificada, as denúncias recebidas pelo canal passam por 3 momentos:
- Registro e acompanhamento
- Triagem: análise, categorização e encaminhamento
- Apuração e gestão dos casos
O processo de registro de relatos é muito importante para garantir que foram captadas as informações necessárias para seguir com o material. Quanto mais informações úteis forem captadas, melhor o processo de triagem e apuração.
Na Aliant, possuímos uma base de dados com mais de 450 mil relatos nos últimos 5 anos, oriundos de mais de 531 empresas, e classificamos as denúncias de desvios de conduta em três categorias principais:
- Descumprimento de Políticas e Normas;
- Má intenção/Ilícito
- Relacionamento Interpessoal.
De modo estatístico, é possível afirmar que boa parte dos esforços no processo de apuração de denúncias são voltados para a categoria de Relacionamento Interpessoal.
Em 2021, ela foi responsável por 52% do total de relatos, sendo a categoria líder nos últimos anos (2017-2021).
Fazem parte da categoria “Relacionamento Interpessoal” as seguintes subcategorias:
- Desvios de Comportamento (com 24,25% do total de relatos recebidos)
- Práticas abusivas (com 23,92%)
- Relacionamento íntimo (com 1,34%)
São classificadas como “Práticas Abusivas” as denúncias de assédio moral, assédio sexual, agressão física, discriminação ou preconceito.
Caso o comportamento não seja enquadrado em uma dessas práticas, mas ainda com teor de desvio comportamental, classifica-se a conduta como Desvios de Comportamento.
Por fim, entende-se como Relacionamento Íntimo aquele vínculo amoroso/sexual entre colegas de trabalho com ou sem subordinação.
Sendo assim, o processo de apuração começa com a identificação do conteúdo relatado. Se utilizarmos a categoria “assédio sexual” como exemplo, é possível verificar as diferenças que enquadram uma conduta como sendo (ou não) assediadora.
Utilizando da definição da própria Justiça do Trabalho, a conduta de assédio sexual no trabalho “é o constrangimento de caráter sexual no ambiente de trabalho, quando o constrangedor, valendo-se de sua posição hierárquica ou influência, procura obter satisfação de seus desejos”; podendo ocorrer por dois meios:
- via chantagem (“quando o assediador, conforme a investida sexual seja aceita ou não, prejudica ou não prejudica a situação de trabalho da vítima”); ou
- via intimidação (condutas que tornam o ambiente de trabalho hostil, intimidativo ou humilhante, dirigidas a uma pessoa ou a um grupo de pessoas em particular).
Partindo para um caso concreto: se um colaborador, hierarquicamente inferior, utiliza-se de “piadas de cunho sexual” na interação com colegas de trabalho genericamente com o foco “quebrar o gelo”, ele provavelmente não incorrerá na prática de assédio sexual, no entanto, poderá ser enquadrada como desvio de comportamento (ou outras medidas legais, a depender da sua gravidade).
A relevância da identificação correta reside em três pontos principais: nas políticas de responsabilização, nos treinamentos aplicáveis e nas formas de apuração.
As políticas de responsabilização, parte essencial da estruturação de um programa de conformidade, deve trazer as condutas puníveis em seu texto com as respectivas diferenciações através da sua gravidade.
Dessa forma, a correta categorização atua de modo a responsabilizar adequadamente condutas na proporção do dano causado.
Um segundo ponto, está na parte dos treinamentos. É importante utilizar as categorias corretas para avaliar as reincidências e os contextos em que mais ocorrem.
Isso ajuda na promoção de campanhas de engajamento, que podem aproveitar para discutir essas situações, ou na proposição de treinamentos para que os colaboradores saibam como identificar essas situações e relatar adequadamente. Além disso, serve como reforço de uma cultura pró-ética, informando a não tolerância com retaliações e não condescendência com condutas antiéticas.
Por fim, sobre a forma de apuração, condutas distintas necessitam de formas de apuração efetivas – que, por vezes, se complementam ou se excluem. Para isso, é importante entender as formas de apuração de um relato e o passo-a-passo em cada situação.
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