O início de um novo ano regularmente traz uma renovação de ânimo para colaboradores e empregadores. No entanto, essa esperança pode não ser compartilhada por vítimas de condutas abusivas causadoras de danos psicológicos no ambiente de trabalho. Estima-se que, em ambientes de trabalho, um terço das pessoas sejam vítimas de alguma forma de assédio moral.
Esse número faz bastante sentido se considerarmos que até outubro de 2023, as indenizações por dano moral somaram 182.280 processos na Justiça do Trabalho. Esses números só reforçam como é desafiador e necessário que as empresas adotem mecanismos que resolvam o problema.
Mas afinal, o que é assédio moral e quais as formas de prevenção? Como identificar e denunciar esse tipo de abuso? Essas são algumas das questões que abordaremos neste texto, buscando esclarecer esse conceito e oferecer orientações para que as empresas possam combater esse tipo de constrangimento no ambiente de trabalho.
O que é assédio moral no trabalho?
O assédio moral é uma conduta abusiva que pode se expressar mediante gestos, palavras e comportamentos que causam danos psicológicos ou emocionais em outra pessoa, intencionalmente ou não.
Muitas vezes, esse tipo de constrangimento é ignorado ou minimizado, podendo ser visto como uma mera brincadeira que não merece atenção. Existe inclusive um termo específico para situações em que uma piada ou comentário ofensivo são tratados como “elogio”: elofensa.
Contudo, no ambiente profissional esse fenômeno vai além das desavenças comuns, impactando negativamente a integridade, a dignidade e mesmo a identidade da vítima. Em muitos casos, quando a empresa não possui processos para detectar e resolver essas ocorrências, elas acabam impactando no ambiente de trabalho, gerando até problemas de performance e resultados.
Segundo a pesquisa “A evolução dos Canais de Relatos no Brasil”, entre 2018 e 2022, cerca de 54% das denúncias registradas foram referentes a algum problema no relacionamento interpessoal. De 2021 para 2022, os casos de assédio moral e sexual aumentaram 13%.
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Tipos de assédio moral
Em 2020, através da Resolução 351/2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu a Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação no âmbito do Poder Judiciário, definindo três tipos de assédio: o assédio moral, o assédio moral organizacional e o assédio sexual.
Assédio moral e assédio moral organizacional remetem a comportamentos similares, porém o segundo é praticado com a conivência da organização na qual ele acontece, seja ela pública ou privada.
Isso quer dizer que as condutas abusivas são amparadas por estratégias organizacionais, como métodos gerenciais, e suportadas por uma cultura problemática.
É importante ter no radar que a reprodução do assédio pode ocorrer de maneira compulsória e normalizada, e até mesmo justificada como estratégia de engajamento de colaboradores.
Para caracterizar uma situação de assédio moral, não é necessário ter uma diferença hierárquica entre o agressor e a vítima, embora seja comum que o assédio exista enquanto exercício de poder hierárquico.
Entenda os tipos:
Assédio vertical: Quando esses comportamentos ocorrem entre pessoas que ocupam diferentes posições na hierarquia.
O assédio vertical pode ser:
- Descendente, ao ser praticado por superior hierárquico com um subordinado.
- Ascendente, quando é praticado pelo subordinado em relação a um superior hierárquico.
Assédio horizontal: condutas entre pessoas que não possuem relação de subordinação, isto é, são realizadas entre colegas de mesmo nível hierárquico.
Há ainda a o assédio moral misto, quando a vítima é alvo tanto por parte de superiores hierárquicos como de colegas.
O assédio no trabalho remete a situações ocorridas no local ou no contexto em que uma pessoa realiza atividades laborais, englobando:
- espaço físico, como escritórios, fábricas, laboratórios, por exemplo;
- espaços virtuais, nos quais as relações interpessoais funcionam, como grupos virtuais, e-mail, aplicativos, ferramentas de comunicação interna etc.
Como identificar assédio moral no trabalho?
É crucial desmistificar alguns pressupostos sobre o assédio moral no trabalho. É comum que ele seja erroneamente compreendido como um fenômeno pontual ou restrito a situações extremas.
Na realidade, o assédio moral pode se manifestar de maneiras sutis e persistentes, minando a autoestima e a saúde mental da vítima ao longo do tempo.
Outro mito comum é a ideia de que apenas ações físicas configuram assédio, ignorando a violência psicológica, que pode ser igualmente prejudicial. Para identificar situações de assédio moral no trabalho, devemos estar atentos a algumas características:
Repetitividade/habitualidade
O assédio moral geralmente não é um incidente isolado, mas um padrão de comportamento que se repete ao longo do tempo.
Direcionalidade
A agressão é direcionada a uma pessoa ou grupo específico.
Intencionalidade
Pode ser difícil detectar o assédio moral por esse aspecto isolado, afinal, a intencionalidade consegue ser justificada ou camuflada em discursos socialmente aceitáveis para determinados contextos.
Mas é possível identificar uma finalidade discriminatória, para a qual o agressor age de forma deliberada, com a intenção de prejudicar, humilhar ou constranger a vítima.
Desigualdade de poder
É comum que o assédio moral ocorra onde há uma clara disparidade de poder, como entre um superior hierárquico e um subordinado.
No entanto, lembre-se que isso não é uma regra, e o assédio também pode ocorrer entre colegas de trabalho.
Impacto na saúde
O assédio moral pode provocar consequências sérias para a saúde mental e emocional da vítima, levando a sintomas como ansiedade, depressão, estresse intenso, insônia e outros problemas relacionados ao bem-estar psicológico e emocional.
Exemplos de caso de assédio moral
A sobrecarga constante de um funcionário com tarefas impossíveis de serem cumpridas, a disseminação de boatos difamatórios ou a exclusão deliberada de um membro da equipe são exemplos reais e recorrentes de assédio moral.
A seguir, listamos situações de assédio moral no ambiente de trabalho que precisam ser identificadas e tratadas enquanto tal:
Humilhações e constrangimentos
– Ridicularização constante perante os colegas;
– Comentários depreciativos sobre a aparência, habilidades ou desempenho do trabalhador;
– Críticas ao trabalho de modo exagerado, injusto, incluindo contestação sistemática de decisões.
Isolamento social
– Exclusão deliberada do trabalhador de atividades sociais ou profissionais;
– Ignorar sistematicamente a presença ou as contribuições do funcionário.
Sobrecarga de trabalho ou impacto em sua autonomia funcional
– Atribuição constante de tarefas impossíveis de serem cumpridas;
– Imposição de metas irrealistas com o intuito de causar frustração;
– Privar a vítima do acesso às ferramentas de trabalho ou de informações necessárias para a execução de suas tarefas;
– Exigir tarefas urgentes permanentemente.
Discriminação
– Práticas discriminatórias baseadas em características pessoais, como gênero, raça, religião ou orientação sexual;
– Tratamento diferenciado e injusto em comparação com outros colegas.
Abuso de autoridade
– Uso inadequado do poder hierárquico para impor decisões arbitrárias;
– Dificultar ou inviabilizar promoções;
– Coerção e ameaças para obtenção de favores ou submissão;
– Controlar tempo e frequência de utilização de sanitários;
– Desconsiderar condições de saúde e recomendações médicas;
– Interferir ou impactar o planejamento familiar de colaboradoras.
Espalhar boatos ou calúnias
– Propagação de informações falsas com o objetivo de difamar a reputação do trabalhador;
– Utilização de fofocas para prejudicar a imagem pessoal do colega de trabalho.
Intimidação e ameaças
– Ameaças verbais ou não verbais, criando um ambiente de medo;
– Comportamentos intimidatórios que comprometem a segurança psicológica;
– Violar a vida privada do funcionário com telefonemas, mensagens, cartas.
Legislação sobre assédio moral
No Brasil, o enfrentamento ao assédio moral no trabalho é respaldado por diversas normativas que visam proteger os direitos e a dignidade dos trabalhadores.
O artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) possibilita que o empregado rescinda o contrato de trabalho em situações graves de descumprimento de obrigações por parte do empregador, algumas que podem caracterizar assédio moral.
No âmbito internacional, diversas convenções e tratados visam combater essa problemática. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), por exemplo, aborda a discriminação no emprego na Convenção nº 111 da OIT, e orienta os países membros a tomarem medidas para prevenir e eliminar práticas de assédio.
Adicionalmente, a Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social da OIT enfatiza a importância da promoção de ambientes de trabalho saudáveis e respeitosos, incentivando a adoção de práticas que combatam o assédio moral.
Além disso, a Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso X, assegura a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas.
Recentemente, a Lei nº 14.457/22 trouxe avanços significativos no cenário brasileiro. Além de tipificar o crime de assédio, a legislação estabelece a obrigatoriedade de as empresas com CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédios) criarem canais internos de denúncia.
Esses canais visam proporcionar um ambiente seguro para que os trabalhadores possam relatar casos de assédio sem receio de represálias. A lei também destaca a importância da rápida investigação dos casos denunciados e a aplicação de medidas disciplinares adequadas aos responsáveis.
A legislação brasileira reconhece a gravidade do assédio moral e estabelece penalidades para empregadores que permitam a ocorrência dessas práticas. Contudo, existem desafios na efetiva aplicação dessas normas, especialmente no que diz respeito à comprovação do assédio, uma vez que ele pode se manifestar de maneira subjetiva e sutil.
Por isso, além das empresas disponibilizarem canais para relatos sobre assédio moral, é necessário que os colaboradores estejam bem-informados sobre como coletar informações que possam qualificar a denúncia, a fim de que se possa investigar adequadamente.
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Como lidar com os casos de assédio moral?
A resolução de situações de assédio muitas vezes se depara com dificuldades significativas. A vítima, frequentemente, encontra-se em uma posição vulnerável, temendo represálias ou retaliações ao reportar o assédio. A cultura organizacional, por vezes, favorece o silêncio, dificultando a denúncia e perpetuando o ciclo do assédio.
Além disso, a falta de políticas eficazes de prevenção e combate ao assédio moral pode criar um ambiente onde tais práticas se normalizam. Sem o respaldo de uma cultura organizacional segura ao bem-estar do colaborador, o silêncio e a perpetuação dos comportamentos indevidos, discriminatórios e violentos são favorecidos.
A forma mais efetiva de prevenir o assédio moral no trabalho está, portanto, na estruturação de um programa de conformidade. Esse pode ser descrito como um sistema de controle organizacional formal concebido para impedir comportamentos antiéticos, criar uma cultura ética e promover comportamentos éticos (KAPTEIN, 2009).
Pode ser considerado a primeira linha de combate, mas também atua como suporte às atividades de Direitos Humanos e Diversidade & Inclusão.
🛡️ Confira com mais detalhes: como estruturar um Programa de Integridade?
No âmbito de mudança cultural, são necessárias ações de comunicação e treinamentos efetivos para que todos os colaboradores entendam como identificar tais situações e estejam cientes que quem comete assédio no ambiente de trabalho deverá será responsabilizado por sua conduta em diferentes esferas. Na esfera civil, pode implicar a responsabilização por danos morais e materiais. Na esfera trabalhista, há o amparo dos arts. 482 e 483 da CLT.
O assediador poderá ser penalizado também na esfera administrativa, quando há enquadramento de infração disciplinar. Por fim, os atos podem caracterizar crime contra a honra, crime de racismo ou crime de lesão corporal, implicando a responsabilização também na esfera criminal.
Entre os mecanismos de um programa de conformidade efetivo há o conhecimento e a integração do Código de Conduta ética da empresa nas rotinas de trabalho; a comunicação clara e acessível entre profissionais de diferentes hierarquias; a convivência saudável com a diversidade e, em ocorrências de assédio, o Canal de Denúncias.
Isso ocorre porque o objetivo principal de um programa de integridade é o de influenciar positivamente o comportamento dos colaboradores, ao transformar a cultura empresarial da companhia (por meio de atitudes, como resguardar as vítimas e punir agressores). O Canal é a linha de contato direta com a administração, uma das ferramentas mais importantes durante esse processo.
O treinamento e as instruções específicas para o uso do Canal são mandatórios, a fim de que seja uma ferramenta facilmente acessível e que os relatos sejam realizados com a qualificação necessária à apuração.
É indispensável que o Canal seja uma via segura, com garantia do direito ao anonimato, que as denúncias recebidas sejam tratadas apropriadamente por equipes treinadas e, se possível, terceirizadas, para não haver conflitos de interesses.
Ainda mais, é preciso que a companhia se posicione corretamente, mantendo a sua coerência reputacional e aplicando as responsabilizações aos agressores.
Entenda mais sobre o tema no artigo:
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